Com a chegada do período chuvoso, um velho problema volta a atormentar os feirantes e consumidores da Feira do Guará: o telhado que mais parece um queijo suíço. Por quase toda a extensão da feira, lonas penduradas e baldes espalhados pelo chão tentam conter o inevitável — as goteiras que insistem em cair sobre bancas, produtos e pessoas. A cena se repete a cada chuva, expondo não só a precariedade da estrutura, mas também o descaso do poder público com um dos patrimônios mais simbólicos da economia popular do Distrito Federal.
As feiras permanentes do DF são muito mais do que simples pontos de comércio. Elas são espaços de convivência, tradição e sustento de milhares de famílias. No entanto, o que deveria ser tratado como prioridade de política pública tem sido alvo de confusão administrativa e de decisões contraditórias por parte do Governo do Distrito Federal (GDF). Na Feira do Guará, essa negligência ficou evidente no caso da reforma do telhado — uma promessa feita há quase quatro anos e que até hoje não saiu do papel.
Promessas, pastéis e esquecimentos
Em 2021, durante visita à Feira do Guará em meio ao período pré-eleitoral, o governador Ibaneis Rocha prometeu pessoalmente recuperar os 13 mil metros quadrados do telhado, aplicando poliureia — tecnologia moderna e duradoura capaz de acabar com os vazamentos crônicos que castigam o local. Ao lado de assessores e da então administradora regional, o governador posou para fotos, comeu pastel e garantiu que a feira voltaria a ter dignidade estrutural.
A promessa incluía também a recuperação dos banheiros, o nivelamento dos pisos, melhorias nas áreas verdes, reforma de alambrados e corrimãos, entre outras intervenções. O investimento anunciado ultrapassava R$ 1,5 milhão. Porém, o que se viu, segundo feirantes e lideranças locais, foi uma obra mal executada, de baixíssima qualidade e sem impacto real.
No lugar da poliureia, foi aplicada uma manta barata que não resolveu o problema das infiltrações. A resina no piso foi colocada sem o devido preparo, descascando poucos meses depois. Os alambrados, pintados de forma superficial, já estão deteriorados novamente. Nos banheiros, as melhorias se resumiram à troca de válvulas e pequenos retoques cosméticos. Resultado: R$ 1,5 milhão desperdiçados e uma estrutura que continua oferecendo risco a quem trabalha e circula pelo local.
Entre promessas e disputas políticas
Em janeiro deste ano, o presidente da Novacap, Fernando Leite, chegou a receber o administrador regional do Guará, Artur Nogueira, e uma comissão de feirantes para anunciar que a licitação definitiva da obra do telhado ocorreria em março. Mas os meses passaram, e nada aconteceu. Nenhum cronograma, nenhum edital, nenhuma explicação. Enquanto isso, outras 11 feiras do DF tiveram suas reformas contratadas, com ordens de serviço em andamento. O Guará, novamente, ficou de fora.
O abandono estrutural, porém, não é o único problema. A gestão da feira também virou palco de disputas políticas. A Associação dos Comerciantes da Feira do Guará (Ascofeg), com mais de 30 anos de atuação, responsável por organizar eleições internas e representar os feirantes perante o poder público, tem sido alvo de tentativas de enfraquecimento. Em 2025, foi criada uma nova entidade — a Associação dos Feirantes do Guará (Asfeg) — com apoio explícito de setores da Administração Regional e da Secretaria de Governo.
A medida acirrou a divisão entre os trabalhadores e trouxe ainda mais confusão à já delicada relação com o GDF. Em vez de dialogar com a entidade legítima e legalmente constituída, o governo parece ter optado por fomentar divisões internas, desviando o foco daquilo que realmente importa: as condições precárias da feira e o bem-estar da comunidade.
O retrato do abandono
Hoje, basta uma chuva para que a realidade salte aos olhos: bancas cobertas com lonas, corredores escorregadios e feirantes desesperados tentando proteger seus produtos da água que pinga incessantemente do teto. O que era para ser um espaço seguro e vibrante de comércio virou um cenário de improviso e indignação.
O sentimento predominante entre os feirantes é de frustração. “Fazem promessas, vêm aqui, tiram foto e depois somem. A gente continua trabalhando debaixo d’água”, desabafa um permissionário que há décadas mantém sua banca na feira.
A comunidade do Guará também cobra respostas. Para muitos moradores, a Feira do Guará é um símbolo da identidade local — um espaço de encontro, de sabores e de histórias. Ver o local ser tratado com descaso é, para eles, uma afronta.
O recado que ecoa do Guará
O caso da Feira do Guará é mais do que um problema de infraestrutura: é um retrato do descompasso entre discurso e ação no governo do Distrito Federal. Enquanto o GDF gasta energia com disputas políticas internas e jogos de influência, o povo fica literalmente debaixo d’água.
Está na hora de o governo cumprir o que prometeu. Resgatar a dignidade da Feira do Guará não é um favor, é uma obrigação. O espaço precisa de um telhado novo, seguro e definitivo — não de remendos e desculpas.
Governador devolva à Feira do Guará o respeito que ela merece. A cidade inteira está vendo. E, agora que as chuvas chegaram, a paciência acabou.







.png)